PLs criminalizam magistério e instituem cadeia para professores
Vários Projetos de Lei (PLs) que modificam a legislação brasileira para instituir a censura, proibir a livre manifestação do pensamento e criminalizar o magistério têm sido apresentados em Casas Legislativas por todo o país. Em consonância com projetos de lei locais, como a Lei da Mordaça (PL 01/2015), da deputada distrital Sandra Faraj (SD – Solidariedade), os PLs federais interferem negativamente na execução do magistério, na atuação dos (as) professores (as) e na formação do (a) estudante.
Na Câmara dos Deputados, parlamentares do PSDB apresentaram projetos que modificam a Constituição Federal, o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). O Projeto de Lei (PL) 867/2015, do deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF), e o PL 1.411/2015, do deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), entraram em tramitação e representam uma ameaça a todos os incisos do artigo 5º da Constituição e torna a principal concepção de educação na LDB em letra morta.
Se aprovados em Plenário, essas duas leis irão preparar o país para uma espécie estado de exceção nas escolas. O PL 867/2015, intitulado “Escola sem partido”, propõe um retrocesso sem precedentes na legislação brasileira porque elimina a concepção paulo-freiriana de transmissão do conhecimento. O conteúdo do projeto lembra o do Ato Institucional nº 5 (AI-5), um dos períodos mais repressivos da história do Brasil.
Enquanto impedia a livre expressão do pensamento por meio do AI-5, a ditadura militar garantia a alienação dos(as) estudantes, doutrinando-os (as) por intermédio da disciplina Educação Moral e Cívica. Um exemplo corriqueiro na época, era o de que professores (as) eram proibidos (as) de falar em regime comunista e União Soviética, a não ser que fosse num sentido pejorativo. Por causa do AI-5, muitos (as) professores (as) brasileiros (as), sobretudo das universidades federais, incluindo aí a Universidade de Brasília ( UnB), foram exilados (as), torturados (as) e até mortos (as).
O deputado federal Izalci Lucas resgata as lembranças desse período nebuloso da história do Brasil ao tentar resgatar a censura nas escolas. Ele propõe modificações na Constituição de 1988 e na LDB, de 1996, quebrando a compreensão de que “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O PL do tucano Izalci Lucas quebra ainda o entendimento de que, entre outros pontos, “o ensino deve ser ministrado com base na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e no respeito à liberdade e apreço à tolerância”.
No Distrito Federal, o PL 01/2015, de autoria da deputada Sandra Faraj (SD), que tramita na Câmara Legislativa, mantém consonância com o PL 867/2015 e segue o mesmo princípio de instituir na capital federal a censura ao professorado.
O PL 1.411/2015, por sua vez, criminaliza o magistério e vai mais longe. Ele institui pena de reclusão e multa a professores (as) que expressarem suas ideias em sala de aula. O autor do projeto é o deputado federal Rogerio Marinho, do PSDB do Rio Grande do Norte. Ele é titular da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. O PL 1411/2015 torna crime a manifestação ideológica do (a) professor (a) em sala de aula, na execução do magistério. Na lei, ele classifica a pedagogia paulo-freiriana de “assédio ideológico” em ambiente escolar.
O projeto prevê pena de detenção de três meses a um ano e multa, com possibilidade de aumento da punição, caso o ato seja praticado por educadores ou “afete negativamente a vida acadêmica da vítima”. O projeto de lei pede alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para que seja incluído entre os direitos da criança e do adolescente “adotar posicionamentos ideológicos de forma espontânea, livre de assédio de terceiros”.
Tão grave quanto os PLs de Lucas e de Faraj, o PL da Criminalização do Magistério (PL 1.411/2015) também propõe alterações no Código Penal para incluir o crime de “expor aluno a assédio ideológico, condicionando o aluno a adotar determinado posicionamento político, partidário, ideológico ou constranger o aluno por adotar posicionamento diverso do seu, independente de quem seja o agente.”
Apesar da previsão da pena de detenção, o deputado disse à Carta na Escola que garante que nenhum professor será preso. “Serão processados os doutrinadores que vilipendiam o direito de aprender dos alunos e exorbitam da sua liberdade de cátedra. De acordo com o Código Penal, penas cujo total sejam inferiores a 4 anos terão cumprimento inicial em regime aberto e, de acordo com o texto apresentado, se condenado ao máximo, o doutrinador será sancionado em 1 ano e meio de detenção, que pode ser facilmente transigida, se assim for da vontade do Parquet (Ministério Público), em prestação de serviço comunitário ou pagamento de dias-multa.”
Tanto Marinho, como Izalci e Sandra Faraj buscam confundir o(a) eleitor(a) dizendo que tais leis não causariam insegurança ao professor ou reduziriam o espaço do debate. Marinho, por exemplo, chega a afirmar que, “pelo contrário, garantiria que todas as ideologias fossem apresentadas, bastando apresentar todas as vertentes interpretativas dos fenômenos estudados, sem fazer proselitismo, sem desvirtuar o fato, sem omitir dados e sem fazer indicações morais discutíveis”, diz.
A professora de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), Olgaria Chain Féres Matos, explica que as crianças e adolescentes não formam seus posicionamentos de forma “livre”. Cabe ao educador ofertar contextos e apresentar pluralidade para que construam aos poucos com critérios. “Os estudantes ainda não dispõem de um repertório cultural amplo que permita decidir com segurança acerca de conteúdos disciplinares. No máximo, conseguem repetir opiniões veiculadas pela mídia ou as da família ou outros”, diz.
Ao longo de cinco páginas, o PL 1411/2015 utiliza-se de trechos de material de apoio elaborado para o próximo Congresso Nacional do PT, intitulado “Caderno de Teses”, para compor sua justificativa. Escrito por diferentes partidários do PT para evento que ocorrerá em junho, o documento apresenta trechos que, na visão do deputado tucano, instigam a doutrinação nas escolas.
Um exemplo: “Não haverá mudança social profunda no Brasil, se isto não for acompanhado por uma mudança cultural na visão de mundo da maioria da população brasileira. Necessitamos tornar hegemônicos os valores democráticos, populares e socialistas. Mas o que temos assistido desde 2003 é uma reação das ideias conservadoras em todos os terrenos. Isto se deve, em parte, ao fato de que não houve nenhuma mudança estrutural no terreno da cultura, da educação e da comunicação. Ao contrário: o grande capital e a direita não apenas mantiveram como ampliaram sua ofensiva em cada um destes terrenos.”
O secretário de Organização Nacional do PT, Florisvaldo Souza, afirmou que o projeto demonstra despreparo e má intenção do tucano. Ele afirma que o “Caderno de Testes” a que Marinho se refere é um documento em que partidários apresentam para debate orientações para o partido e projetos para o país. “Não são teses para escolas, mas para debate político. Se eles não têm cultura e partido para isso, eu lamento. É por isso que a oposição não tem projeto.”
Confira o artigo “Caminhar no fio da navalha…”, da Carta Escola, sobre a criminalização do magistério com perspectiva de cadeia para professores.
A educação paulo-freiriana
O mais célebre educador brasileiro, autor da pedagogia do oprimido, defendia como objetivo da escola ensinar o (a) estudante a “ler o mundo” para poder transformá-lo. Esse é um dos principais motivos que levaram Paulo Freire (1921-1997) a ser considerado o mais célebre educador brasileiro, com atuação e reconhecimento internacionais. Conhecido principalmente pelo método de alfabetização de adultos que leva seu nome, ele desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político.
Para Freire, o objetivo maior da educação é conscientizar o (a) estudante. Isso significa, em relação às parcelas desfavorecidas da sociedade, levá-las a entender sua situação de oprimidas e agir em favor da própria libertação. O principal livro de Freire se intitula justamente Pedagogia do Oprimido e os conceitos nele contidos baseiam boa parte do conjunto de sua obra.
Ao propor uma prática de sala de aula que pudesse desenvolver a criticidade dos (as) estudantes, Freire condenava o ensino oferecido pela ampla maioria das escolas (isto é, as “escolas burguesas”), que ele qualificou de educação bancária. Nela, segundo Freire, o (a) professor (a) age como quem deposita conhecimento num (a) estudante apenas receptivo, dócil.
Em outras palavras, o saber é visto como uma doação dos que se julgam seus detentores. Trata-se, para Freire, de uma escola alienante, mas não menos ideologizada do que a que ele propunha para despertar a consciência dos oprimidos. “Sua tônica fundamentalmente reside em matar nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade”, escreveu o educador. Ele dizia que, enquanto a escola conservadora procura acomodar os (as) estudantes ao mundo existente, a educação que defendia tinha a intenção de inquietá-los.
Com informações da Carta Escola, Contee, Anpocs, Revista Nova Escola